• 50. Estrutural Funcionalismo: Evans-Pritchard
    Apr 20 2025

    Edward Evan Evans-Pritchard (1902-1973) é uma das figuras mais notáveis da antropologia britânica do século XX, e sua trajetória intelectual reflete uma transformação profunda no modo como a disciplina concebe seus objetos, métodos e fundamentos epistemológicos.


    Inicialmente influenciado pelo estrutural-funcionalismo de Radcliffe-Brown, com quem manteve relações acadêmicas próximas, Evans-Pritchard começou sua carreira preocupado com a organização social e os sistemas de parentesco, realizando extensos trabalhos de campo entre os Azande e os Nuer no Sudão.


    Suas etnografias, como

    Witchcraft, Oracles and Magic among the Azande e The Nuer, são consideradas clássicos por sua profundidade analítica e por seu compromisso com o método empírico.


    No entanto, já nesses trabalhos, é possível notar um deslocamento em relação à tradição funcionalista: ao invés de apenas buscar a função social das práticas, ele começa a valorizar a lógica interna das culturas estudadas, reconhecendo que o pensamento nativo possui uma racionalidade própria.


    Esse deslocamento teórico se consolida nos anos 1950, quando Evans-Pritchard passa a defender uma concepção da antropologia não mais como ciência natural, mas como ciência do espírito, próxima da história e da filosofia.


    Inspirado por R.G. Collingwood e Wilhelm Dilthey, ele propõe que a tarefa do antropólogo é a reconstrução interpretativa dos sistemas simbólicos, e não a explicação causal de fenômenos sociais.


    Essa perspectiva hermenêutica é fortemente visível em

    Nuer Religion, obra em que a religião é tratada como expressão existencial e simbólica, e não como mero reflexo de estruturas sociais.


    Suas reflexões sobre tradução cultural, o papel da fé, os limites do racionalismo e as tensões entre ciência e crença revelam um autor que busca incessantemente conciliar sua formação acadêmica com uma profunda sensibilidade ao humano.

    Evans-Pritchard também exerceu influência institucional duradoura, consolidando Oxford como centro de excelência em antropologia e formando gerações de pesquisadores.


    Embora tenha sido criticado por não problematizar suficientemente o colonialismo, sua obra representa uma inflexão decisiva rumo a uma antropologia mais ética, reflexiva e comprometida com a escuta e a alteridade.


    Siga-nos no Instagram: @antropocast



    Exibir mais Exibir menos
    1 hora e 2 minutos
  • 49. Funcionalismo: Bronislaw Malinowski
    Apr 8 2025

    Bronislaw Malinowski revolucionou a antropologia ao criar o método etnográfico durante seu trabalho de campo nas Ilhas Trobriand, onde viveu intensamente a vida nativa, entre 1915 e 1918. Um dos trabalhos de campo mais prolongados da história da Antropologia.


    Sua abordagem inovadora – a observação participante – substituiu os estudos de gabinete de seus predecessores – ou mesmo o trabalho etnográfico sem a devida imersão, que já era realizado à sua época –, mostrando que para entender uma cultura era preciso vivenciá-la (e não apenas "visitá-la").


    Seu funcionalismo psicobiológico propunha que todas as instituições culturais atendem a necessidades humanas básicas: biológicas (como alimentação), instrumentais (organização social), afetivo-emocionais (enfrentamento do medo e da insegurança) e integrativas (religião, comunicação, arte).


    Ele mostrou que os mitos não eram meras histórias, mas "cartas de autoridade" que legitimavam normas, transmitiam conhecimentos práticos e ofereciam conforto psicológico. Ao analisar a religião e a magia, revelou seu caráter pragmático: os rituais mágicos dos trobriandeses surgiam apenas em situações de risco (como pesca em alto-mar), nunca em atividades controláveis, funcionando como mecanismos para reduzir a ansiedade.


    Seu estudo do Kula, sistema de trocas cerimoniais, mostrou como mito, magia e economia se entrelaçavam numa instituição total que criava alianças entre ilhas.


    Malinowski superou o evolucionismo ao provar que essas culturas não era nada primitivas e que possuíam uma lógica funcional e instrumental, o que as igualava à lógica europeia. Apenas com soluções diferentes para problemas humanos universais.


    Seu legado permanece ao ensinarmos que, para compreender qualquer prática cultural, devemos perguntar sobre seu funcionamento na vida real das pessoas daquela comunidade.


    Siga-nos no Instagram: @antropocast

    Exibir mais Exibir menos
    1 hora e 1 minuto
  • 48. Estrutural-Funcionalismo: Radcliffe-Brown
    Apr 1 2025

    A visão de Alfred Radcliffe-Brown sobre mito e religião está profundamente ancorada em sua proposta de funcionalismo estrutural. Para ele, a importância social dessas práticas culturais não se limite a serem expressões subjetivas de fé, mas por desempenharem papéis fundamentais na manutenção da coesão social e da estrutura organizacional das sociedades humanas.

    Em vez de buscar a origem dos mitos ou a verdade das crenças, Radcliffe-Brown queria entender o que essas narrativas e rituais fazem dentro do sistema social — ou seja, qual a sua função.

    Na sua perspectiva, o mito é uma narrativa simbólica que legitima e reforça normas sociais, justificando regras de conduta, papéis sociais e instituições. Ele ajuda a dar sentido à organização da vida coletiva e sustenta o tecido moral da sociedade. Já a religião é entendida como uma instituição coletiva, onde os rituais funcionam como meios para reafirmar valores compartilhados, fortalecer laços entre os membros do grupo e manter a ordem social. Tanto o mito quanto a religião são vistos, assim, como instrumentos que mantêm a sociedade em equilíbrio e garantem sua reprodução ao longo do tempo.

    Radcliffe-Brown analisou essas ideias na prática em campo, já incorporando o espírito do método etnográfico. Entre os nativos australianos, por exemplo, observou como os mitos totêmicos estruturavam regras de exogamia e fortaleciam os vínculos entre clãs. Já entre os Lozi da África Ocidental, mostrou como o culto aos ancestrais servia para legitimar a autoridade política e mediar conflitos sociais. Em ambos os casos, ficou claro para ele que a função dos mitos e rituais não era simplesmente religiosa ou simbólica, mas estrutural — eles ajudavam a organizar a vida social como um todo.

    Apesar das críticas que vieram depois — principalmente pela falta de atenção à mudança social e à agência individual —, Radcliffe-Brown foi pioneiro ao propor que mito e religião devem ser estudados como partes integrantes de um sistema social interdependente. Seu trabalho abriu caminho para uma compreensão mais sociológica da religião e inspirou gerações de antropólogos a olhar para além das crenças, enxergando os rituais e narrativas como formas de moldar e sustentar a convivência humana.

    Siga o Antropocast no Instagram: @antropocast


    Exibir mais Exibir menos
    56 minutos
  • 47. Feminicídio, Gênero e outros assuntos
    Mar 8 2025

    Neste episódio, Antropocast convida Heloísa Buarque de Almeida (FFLCH/USP) e Tatiana Amendola (ESPM) para um bate papo sobre Feminicídio, Violência contra mulher (e de gênero, por extensão), Feminismo e outros assuntos correlatos.

    Esta foi uma conversa gravada em 2020, recuperada para relançamento por continuar extremamente atual, além de ser uma bela aula sobre questões de gênero na antropologia.


    Siga-nos no Instagram: @antropocast


    Exibir mais Exibir menos
    58 minutos
  • 46. Mito: a perspectiva funcionalista
    Feb 3 2025

    Estamos em nossa terceira expedição: uma exploração nesta fabulosa ilha do Mito, onde estamos ancorados.


    Neste episódio vamos começar a explorar o Mito sob a ótica da Teoria Funcionalista (também chamada de Funcionalismo Britânico) . E, para começar, vamos entender o que é exatamente uma abordagem funcionalista dos fatos da sociedade e da cultura.


    O Funcionalismo nas ciências sociais, especialmente na Antropologia e na Sociologia, é uma linha teórica consolidada por Durkheim e em 1937 teria sido assim batizada por Malinowski em um artigo que ele escreveu para a

    Encyclopaedia Britannica. Seu foco é pensar a sociedade como um sistema composto de partes interdependentes.


    Cada instituição, prática ou norma dentro de um contexto social desempenha uma função específica que contribui para a coesão e estabilidade social.


    Inspirado pela biologia, essa abordagem sugere que, assim como órgãos no corpo humano estão associados num sistema para manter a saúde, o equilíbrio do corpo, diferentes instituições sociais (como a família, a religião e o governo) também trabalham juntas para manter a sociedade em equilíbrio. O foco está em entender como as normas e valores são internalizados pelos indivíduos, garantindo o funcionamento harmonioso do todo.


    O Funcionalismo rejeita o modelo diacrônico, universalista e historicamente determinista do Evolucionismo, que classificava as sociedades em uma escala linear e universal de progresso. Em vez disso, ele analisa cada sociedade dentro de seu próprio contexto, com foco no presente e nas funções que as instituições exercem agora.


    Junto com o Culturalismo Norte-Americano, o Funcionalismo introduziu um rigor científico consistente na Antropologia, especialmente ao criar o método etnográfico.


    Vamos entender melhor os pontos centrais desta teoria antes de entrarmos nas análises de Malinowski, Radcliffe-Brown e Evans-Pritchard sobre o fenômeno do mito.


    Siga-nos no Instagram: @antropocast

    A trilha sonora utilizada neste episódio é livre de direitos autorais.

    Exibir mais Exibir menos
    54 minutos
  • 45. Evolucionismo: Lucien Lévy-Bruhl
    Jan 18 2025

    Neste episódio, o Antrpocast te convida a embarcar numa viagem fascinante pelo pensamento do último dos pensadores evolucionistas que estamos analisando: Lucien Lévy-Bruhl.


    Ele foi um filósofo francês que, bastante influenciado pelos trabalhos de Tylor e sobretudo de James Frazer, lá no início do século XX, mergulhou na antropologia, intrigado com a forma como os diferentes povos interpretam o mundo.


    Sua formação orignial foi no campo da Filosofia Moral. No entanto, como professor da Sorbonne e colega de Durkheim, foi bastante influenciado pelos ventos da Escola Sociológica Francesa (e também do positivismo de Augusto Comte), trazendo um viés empírico para suas preocupações com a moral: ele quer investigar como exatamente as sociedades criam e veiculam os valores que orientam os comportamentos das pessoas: e é aí que entra o mito!


    Ao investigar as histórias aparentemente irracionais dos mitos e os fenômenos místicos das religiões das sociedades ditas "primitivas", ele procura entender de que maneira isso pode revelar o funcionamento da mentalidade desses povos.


    Para isso, ele vai desenvolver dois conceitos importantes: mentalidade pré-lógica e participação mística.


    Importante compreender que por "pré-lógico" ele não indica que esses povos sejam "irracionais" ou "menos inteligentes" do que os povos ocidentais. Significava que ainda não tinham atingido o estágio conquistado pela lógica formal tal como posta pela tradição do pensamento ocidental, que ele entende como sendo o mais sofisticado.


    A ideia é que as experiências de mundo vividas por estas sociedades eram permeadas por uma visão mágica e simbólica que é diferente do pensamento analítico e científico predominante no Ocidente.


    O conceito de "participação mística" é um dos conceitos que o tornaram conhecido. Essa ideia descreve como, nas sociedades tradicionais, as pessoas não se veem separadas do mundo natural ou do sobrenatural — elas se sentem conectadas a tudo ao seu redor, desde animais e plantas até os espíritos e deuses.


    Nesse contexto, o mito funciona como uma espécie de “língua” que expressa essa conexão profunda.


    Outro ponto fascinante é como ele via a coexistência dessas mentalidades. Mesmo em culturas modernas, Lévy-Bruhl acreditava que o pensamento mítico não desaparecia completamente. Quer um exemplo? Pense em superstições, horóscopos, ou na forma como muitas pessoas interpretam coincidências como "sinais do destino". Isso mostra que o mágico e o racional convivem dentro de nós.


    Mas é claro, as ideias de Lévy-Bruhl não passaram sem críticas. Muitos estudiosos disseram que sua abordagem dava margem a interpretações etnocêntricas, sugerindo que o pensamento ocidental era superior.


    Com o tempo, sua visão foi sendo revisada e aprimorada, mas a noção de que diferentes culturas pensam de formas distintas continua sendo uma contribuição valiosa.


    Então, o que podemos levar da perspectiva de Lévy-Bruhl? O mito, para ele, é uma janela para um modo de experiência do mundo que vai além do racional. Ele nos lembra que existem muitas maneiras de entender e se relacionar com a realidade, e que o pensamento mítico não é algo do passado, mas uma dimensão viva que ainda permeia nossas vidas.


    Ficou curioso? ouça o episódio e aprenda um pouco sobre esse fascinante e importante pensador. E sobre como o pensamento mítico, mágico, místico co-existe com o pensamento científico, lógico.


    Siga-nos no Instagram: @antropocast


    As trilhas sonoras utilizadas neste episódio são livres de direitos autorais.



    Exibir mais Exibir menos
    1 hora e 6 minutos
  • 44. Evolucionismo: James Frazer
    Dec 16 2024

    As contribuições de James Frazer são essenciais para entender os estudos sobre mito e religião na antropologia.


    Sua obra mais famosa, “O Ramo de Ouro”, é uma verdadeira exploração das crenças e rituais humanos, misturando ciência, literatura e história.


    Além desta obra, “Totemismo e Exogamia” é outro trabalho importante, em que ele analisa o mito no contexto das sociedades totêmicas como elemento constituinte das suas construções identitárias.


    Para Frazer, os mitos e os rituais não eram apenas histórias ou práticas curiosas, mas formas profundas e universais de os seres humanos lidarem com questões fundamentais, como a morte, a renovação da vida e a ordem do cosmos. Eram buscas de explicações e construções de sentidos.


    Uma de suas contribuições mais marcantes foi a teoria dos três estágios do pensamento humano: magia, religião e ciência.


    Segundo Frazer, os primeiros humanos acreditavam que podiam controlar o mundo diretamente por meio da magia. Quando essa abordagem se mostrou insuficiente, surgiram as religiões, onde os humanos passaram a apelar a forças ou deuses sobrenaturais para influenciar o mundo. Por fim, a ciência emergiu como uma forma de compreender a realidade com base na lógica e na observação.


    Apesar dessa progressão, Frazer argumentava que traços de magia e religião permaneciam profundamente enraizados, mesmo em sociedades modernas.


    A importância de James Frazer para a antropologia vai além de suas teorias. Ele abriu o caminho para uma abordagem comparativa dos mitos e rituais, influenciando não apenas a antropologia, mas também a psicologia, a literatura e os estudos religiosos. Embora suas ideias sejam questionadas e reinterpretadas hoje, Frazer permanece uma referência indispensável para quem deseja entender como os mitos e os rituais moldam a experiência humana.


    Estas e outras questões são analisadas neste episódio.


    Siga-nos no Instagram: @antropocast

    Exibir mais Exibir menos
    44 minutos
  • 43. Evolucionismo: Edward Tylor
    Nov 24 2024

    Edward Burnett Tylor, antropólogo inglês com uma importância muito grande na história de formação nossa disciplina, sendo frequentemente reconhecido como um dos "heróis" fundadores da Antropologia Cultural.


    Ele teve um papel fundamental na consolidação do Evolucionismo como o primeiro quadro teórico criado com certo rigor científico, com sistematização e com método para interpretar os fatos da cultura. Foi o principal pesquisador que pavimentou os estudos sobre religião na Antropologia.


    Em sua obra "Primitive Culture" (1871), Tylor propôs que os mitos não eram meras fantasias, mas sim tentativas iniciais de explicar fenômenos naturais e existenciais. Funcionavam como uma forma rudimentar de ciência, produtos de uma mentalidade pouco elaborada e simplória que tentava oferecer os primeiros ensaios de explicações sobre aquilo que era inexplicável, o que era misterioso.


    Eram manifestações de uma mentalidade rudimentar, pré-lógica.


    Ele introduziu o conceito de animismo, sugerindo que as primeiras crenças religiosas atribuíam alma e vida a objetos inanimados e fenômenos naturais, como uma maneira de dar sentido ao mundo ao redor.


    Tylor também identificou "sobrevivências" — vestígios de antigas crenças animistas que persistem em culturas modernas, como superstições e tradições populares.


    Embora sua perspectiva evolucionista seja hoje considerada eurocêntrica e simplista, as contribuições de Tylor foram fundamentais para estabelecer o estudo antropológico dos mitos e das religiões e a pavimentar a Antropologia como ciência.


    Neste episódio, o Antropocast explora elementos de sua teoria sobre os mitos no contexto religioso, além de discutir aspectos importantes do evolucionismo e das suas contribuições para a consolidação da Antropologia no campo científico.


    Siga-nos no Instagram: @antropocast.



    Exibir mais Exibir menos
    46 minutos